"Mãe é aquele ser estranho, louco, capaz de heroísmos, dramas e
breguices com a mesma fúria; paga mico, escreve carta para Papai Noel, se faz
passar por fadinha do dente, coelho da páscoa, cuca, pede autógrafo para
artistas deploráveis assiste a programas, peças, shows horríveis, revê milhares
de vezes os mesmos desenhos animados, conta as mesmas histórias centenas de
vezes, vai pra Disney e ADORA!
Mãe faz escândalo, tira satisfação com professor,
berra em público, dá vexame, deixa a gente sem graça, compra briga; é espaçosa,
barulhenta, tendenciosa, leoa, tiete, dona da gente. Mãe desperta
extremos,ganas, irrita, enlouquece, mas... É mãe.
Mãe faz promessa, prestação, hora extra, pra que a
gente tenha o que é preciso e o que sonha. Mãe surta, passa dos limites, às
vezes até bate, diz coisas duras; mãe pede desculpas, mortificada... Mãe é um
bicho doido, louco pela cria. Mãe é Visceral!
Mãe chora em apresentação de balé, em competição de
natação, quando a filha menstrua pela primeira vez, quando dá o primeiro beijo,
quando vê a filha apaixonada no casamento, no parto... Xinga todo e cada
desgraçado que faz a filha sofrer, enlouquece esperando ela chegar da balada,
arranca os cabelos diante da morte...Mãe é uma espécie esquisita que se alterna
entre fada e bruxa com um naturalidade espantosa. É competente no item culpa e
insuperável no item ternura, mas pode ser virulenta, tem um lado B às vezes C,
D, E... Mãe é melosa, excessiva, obsessiva, repulsiva, comovente, histérica,
mas não se é feliz sem uma. Mãe é contrato: irrevogável, vitalício
instransferível!
Mãe lê pensamento, tem premonição, sonhos
estranhos. Conhece cara de choro, de gripe, de medo; entra sem bater, liga de
madrugada, pede favor chato, palpita e implica com amigos, namorados, escolhas.
Mãe dá a roupa do corpo, tempo, dinheiro, conselho, cuidado, proteção. Mãe dá
um jeito, dá nó,dá bronca, dá força. Mãe cura cólica, porre, tristeza, pânico
noturno, medos. Espanta monstros, pesadelos, bactérias, mosquitos, perigos. Mãe
tem intuição e é messiânica: Mãe salva. Mãe guarda tesouros, conta histórias e
tece lembranças. Mãe é arquivo!
Mãe exagera, exaure, extrapola. Mãe transborda,
inunda, transcende. Ama, desmama, desarma, denota, manda, desmanda, desanda,
demanda. Rumina o passado, remói dores, dá o troco, adora uma cobrança e um
perdão lacrimoso.
Mãe abriga, afaga, alisa, lambe, conhece as batidas
do nosso coração, o toque dos nossos dedos, as cores do nosso olhar e ouve
música quando a gente ri. Mãe tem coração de mãe!
Mãe é pedra no caminho, é rumo; é pedra no sapato,
é rocha; é drama mexicano, tragédia grega e comédia italiana; é o maior dos
clássicos;é colo, cadeira de balanço e divã de terapeuta... Mãe é madona-mia! É
deus-me-acuda; é graças-a-deus; é mãezinha-do-céu, é a mãe,é minha- e- eu- mato
-quando- quiser; é a que padece no paraíso enquanto nos inferniza... Mãe é
absurda e inexoravelmente para sempre e é uma só: não há Mistério maior! Só
cabe uma mãe na vida de uma filha... e olhe lá! Às vezes, nem cabe inteira. Mãe
é imensurável!
Mãe é saudade instalada desde o instante em que
descobrimos a morte.
Mãe é eterna, não morre jamais. Bicho estranho,
entranha, milagre, façanha, matriz, alma, carne viva, laço de sangue, flor da
pele. Mãe é mãe, e faz cada coisa..."
(Texto de Hilda Lucas)