A tia faz o bolo. Os docinhos ficam por conta da avó. Os homens da casa se responsabilizam pelas bebidas, enquanto a dona da casa, pelos salgadinhos. Ah, sim, e as bolas? Bem, é só chamar a garotada e tudo fica pronto para a hora da festa. Som ligado, comida e bebida. Pronto: agora é só deixar a criançada se reunir e brincar à vontade.
Aniversário assim é coisa do passado, de álbum de família. Hoje, na maioria das grandes cidades brasileiras, festa infantil é sinônimo de espetáculo, com uma programação variada e extensa e que se adequa aos diferentes gostos e bolsos. Não é preciso se preocupar com nada. Há uma infinidade de empresas especializadas e prontas para oferecer a festa idealizada pelas crianças (e pelos pais também!).
À disposição da garotada um mundo de diversões, atividades e brinquedos (dos mais simples aos eletrônicos e computadorizados). Um mundo de sonho, no qual os personagens dos desenhos animados ganham vida – ao vivo e a cores – para espanto, admiração e alegria das crianças. Foi-se o tempo que os personagens se contentavam em aparecer apenas nos copos, pratos, guardanapos, chapéus ou no grande painel da mesa do bolo.
Promovidas em espaços criados e reservados única e exclusivamente para celebrar aniversários, as festas se transformaram numa grande mega produção.
Dependendo do que é acertado com os animadores, são quatro ou cinco horas de entretenimento ininterrupto. Na pauta do dia: teatrinho, karaokê, mágico, palhaço, book eletrônico, tatuagem, cabeleleiro infantil, balé, quizz, gincana, danças…
Isso sem esquecer, é claro, dos flashes e das câmeras das filmadoras e dos celulares, atentos a cada reação das crianças. Tudo perfeitamente registrado e documentado em áudio e imagem, que logo se transforma num DVD, distribuído para os familiares e amigos.
“Acho que as festas perderam a ludicidade de antigamente. Parece que hoje tudo ficou padronizado e robotizado. Não há mais a diversão pela diversão entre as próprias crianças, o que caracterizava os aniversários de anos atrás”, reflete Vinícius Messias Ramos, consultor de novos negócios do Portal Festas (www.portalfestas.com.br), especializado em festas infantis.
Alessandra Sauberman, mãe de David e Leonardo - 2 e 6 anos, respectivamente -, faz coro e diz que as festas de hoje não possuem mais criatividade, só atividade. “Nos aniversários de 3 a 6 anos, as crianças participam de uma programação extensa, uma atrás da outra. A idéia parece que é exaurir os convidados e não apenas entretê-los”, afirma.
Em artigo publicado na Revista Veja (23/02/2005), a escritora Lya Luft disse que festa infantil deve ser um tormento constante para as crianças. “Recreacionistas podem ser um alívio quando os pequenos formam um mar de mini-tsunamis incontroláveis. Mas me fica a idéia de que ninguém mais sabe brincar ao natural. Música dirigida, brincadeiras dirigidas…”
No artigo Festa infantil como instrumento de comunicação e socialização, apresentado no XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Cássia Guerreiro Grava afirma que a contratação de animadores acontece devido a alguns fatores, como falta de tempo ou criatividade do contratante, modismo e desejo de auto-afirmação econômica e social.
Ainda de acordo com Cássia, o que mais importa para as crianças, na verdade, é o tema da festa, os brinquedos, os balões e a presença dos seus amigos preferidos. “Os detalhes da festa são atrativos para os adultos, no sentido em que mostram aos convidados seu poder social e econômico”.
Outras possibilidades
Os pais deveriam se perguntar para que servem essas megafestas. A quem interessa? Qual é o sentido? A orientação é da psicóloga e psicanalista Maria Elisabeth Capistrano do Amaral.
Segundo Elisabeth, nestas festas não há espaço para trocas entre as crianças. “São festas narcisistas ou como dizem hoje em dia, festas de celebridades, nas quais a rainha ou o rei é o aniversariante e os convidados, a platéia”, analisa.
Para a psicóloga, tudo o que é pronto não tem criação, não tem portanto sujeito. “As crianças são objetos. Isso torna esses momentos efêmeros e momentâneos”, afirma.
Na opinião de Elisabeth, reunir e comemorar o aniversário das crianças na praia ou no Jardim Botânico são alternativas muito bem-vindas neste cenário padronizado. “Acredito que a celebração da vida pode e deve ser mais criativa”, aposta.
O bolso é o limite
Uma festa infantil nos moldes do século XXI pode sair por R$ 1500. “Mas é a média. Já soube de festas infantis que alcançaram a casa dos R$ 50 mil”, avisa Vinícius Messias Ramos, consultor de novos negócios do Portal Festas, especializado em festas infantis.
O limite é o bolso. Tudo pode ser feito e produzido para transformar o sonho da criança (e dos pais) em realidade. Se a festa é sobre animais ou circo, por que não trazer animais de verdade? Na entrada, por exemplo, dando as boas-vindas, o elefante. No meio da festa, cobras e macacos ou então pôneis. Não acredita? “Sim, isso acontece. A imaginação e o bolso permitem tudo”, afirma Vinícius.
Das páginas das histórias em quadrinhos ou da tela da televisão, ao vivo e a cores, os personagens aparecem de corpo e alma. Cantam, dançam e brincam. Não há limite.